segunda-feira, 23 de junho de 2008

Mario de Andrade


QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.


O poema "Quando eu Morrer", também escrito no final da vida de Mário, é na verdade um trecho sem título da coletânea Lira Paulistana, publicada postumamente. Fiel à sua cidade, o poeta quer permanecer nela, nesse poema-testamento. Vejam que nem nessa hora ele abre mão da ironia.

Figura central do modernismo brasileiro, o paulistano Mário de Andrade (1893-1945) foi muito mais do que poeta. Músico, romancista, contista, professor, estudioso de cultura popular, ensaísta, prolífero escritor de cartas e — como se diz hoje —poderoso agitador cultural, ele parece confirmar a multiplicidade anunciada no verso: "Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinqüenta".


Realizado por:

Gabriela Wyler, Marianna dos Santos Barbosa

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